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Ney Matogrosso é legítimo porta-voz de canções para um mundo em agonia, na pegada roqueira de álbum com Hecto

Potência das letras e da moldura instrumental do disco atenua a irregularidade do inédito repertório composto e (bem) produzido por Guilherme Gê. Capa do á...

Ney Matogrosso é legítimo porta-voz de canções para um mundo em agonia, na pegada roqueira de álbum com Hecto
Ney Matogrosso é legítimo porta-voz de canções para um mundo em agonia, na pegada roqueira de álbum com Hecto (Foto: Reprodução)

Potência das letras e da moldura instrumental do disco atenua a irregularidade do inédito repertório composto e (bem) produzido por Guilherme Gê. Capa do álbum ‘Canções para um novo mundo’, de Ney Matogrosso & Hecto Marcos Hermes ♫ OPINIÃO SOBRE DISCO Título: Canções para um novo mundo Artista: Ney Matogrosso & Hecto Cotação: ★ ★ ★ ♪ “Tiraram a minha razão / Na vida, meu violão / Levaram o meu amor / Meus sonhos e o que sobrou / Saudade de existir / Saudade...”, cantam Ney Matogrosso e Guilherme Gê, vocalista do duo Hecto, dando vozes aos versos de Anonimato, pseudo-samba de Gê que assume a forma de rock e fecha o álbum Canções para um novo mundo. A letra de Anonimato foi escrita sob a ótica de um morador de rua, invisível aos olhos da sociedade, mas bem pode ser interpretada como réquiem para a humanidade vazia de emoções reais que vaga sem rumo em busca do algoritmo. No mercado digital a partir de hoje, 10 de janeiro, o álbum Canções para um novo mundo junta o cantor Ney Matogrosso – ícone da MPB que, dois anos após ser revelado em 1973 como vocalista do trio Secos & Molhados, iniciou carreira solo que completa 50 coerentes anos em 2025 – com o duo Hecto. O duo Hecto é natural do Rio de Janeiro (RJ) tendo sido formado pelo cantor, produtor musical e multi-instrumentista carioca Guilherme Gê com o guitarrista catarinense Marcelo Lader. A caminho dos 84 anos que festejará em 1º de agosto, Ney felizmente insiste na juventude e, em vez de deitar e adormecer no berço esplêndido dos medalhões da música brasileira, continua atento aos sinais e se junta com Gê neste disco pautado pela atitude roqueira que sempre diferenciou o cantor no universo da MPB. Com predisposição para se conectar com artistas jovens, de menor visibilidade no mercado, Ney é o porta-voz das nove canções do álbum gravado com produção musical e arranjos de Guilherme Gê (piano, violão de aço, bandolim, guitarra, baixo elétrico, teclados, programação de bateria, loops e sampler). Sim, por mais que o álbum Canções para um novo mundo seja assinado pelo cantor com o duo Hecto e tenha sido idealizado por Guilherme Gê, o disco atrai atenções por ser, afinal, um disco de Ney Matogrosso, cujo último álbum, Nu com a minha música (2021), saiu já há quatro anos. A questão é que, apesar da embalagem atraente, Canções para um novo mundo é álbum aquém da histórico discográfico de Ney. De tom roqueiro, a moldura instrumental soa sempre potente e se afina com a pena afiada das letras, retratos de mundo que agoniza, em decomposição. Só que o invólucro das músicas atenua, mas não disfarça, a essência irregular do repertório, perceptível desde a faixa de abertura, Pátria gentil (Guilherme Gê), rock marcado pela bateria de Will Cahoun, da banda norte-americana Living Colour. Escrita na linha miséria s.a., a letra de Pátria gentil simula ligação de telemarketing para enumerar mazelas do Brasil, dando o tom crítico do disco. Povoado por corpos cansados e almas insones, o universo em desencanto do álbum é bem retratado nos versos de Monólogo (Guilherme Gê e Sérgio Britto a partir de poema de Paulo Sérgio Valle), música de refrão envolvente que se impõe no repertório ao lado da já conhecida Teu sangue (Guilherme Gê, 2024), faixa lançada como single inicial do álbum em agosto do ano passado. Outra questão é que as presenças de convidados – como Roberto Frejat em Solaris (Guilherme Gê a partir de letra de Mauro Santa Cecília), rock turbinado com solo de guitarra de Fernando Magalhães, músico da banda Barão Vermelho – tampouco agregam valor ao disco. Até porque a boa interação vocal de Ney Matogrosso com Guilherme Gê é um dos trunfos do álbum Canções para um novo mundo. Por isso mesmo, soa dispensável a entrada da cantora Ana Cañas em O amor vem antes de tudo (Guilherme Gê e Déa Moura), outra faixa gravada com o toque afro da bateria de Will Cahoun e também aditivada com a cítara de Mario Moura. O folk rock Troço (Guilherme Gê) e a balada-rock Canção para um novo mundo (Guilherme Gê e Mauro Santa Cecília) sublinham a sensação de que as letras incisivas sempre se sobrepõem às melodias por denunciarem uma humanidade sufocada, como alerta verso de Nosso grito (Guilherme Gê e Déa Moura, 2024), música apresentada em outubro como segundo single do álbum, editado pela gravadora Som Livre. Certamente foram as letras que atraíram Ney Matogrosso para o repertório, fazendo com o que o cantor seja o porta-voz de cancioneiro que, justiça seja feita, tem pegada e o mérito de retratar o caos social do mundo no século XXI com muita gente sentindo saudade de existir. Guilherme Gê (à esquerda), vocalista do duo Hecto, canta com Ney Matogrosso as nove músicas do disco lançado hoje, 10 de janeiro Marcos Hermes / Divulgação